A cidade cearense que vai ter novas eleições após interferência de facção e cassação de prefeito

Santa Quitéria: cidade cearense que vai ter novas eleições após interferência de facção Os eleitores de Santa Quitéria voltam às urnas neste domingo (2...

A cidade cearense que vai ter novas eleições após interferência de facção e cassação de prefeito
A cidade cearense que vai ter novas eleições após interferência de facção e cassação de prefeito (Foto: Reprodução)

Santa Quitéria: cidade cearense que vai ter novas eleições após interferência de facção Os eleitores de Santa Quitéria voltam às urnas neste domingo (26) para escolher um novo prefeito. O município, o maior do Ceará em território, se viu obrigado a passar por novas eleições devido a um fator alarmante: interferência do Comando Vermelho (CV) no pleito de 2024. 🔍A Justiça Eleitoral decidiu anular o resultado das eleições, e o prefeito reeleito, José Braga Barroso, o Braguinha (PSB), e seu vice, Gardel Padeiro (PSB), foram cassados por abuso de poder político e econômico e por receberem vantagem indevida do Comando Vermelho. Por isso, a cidade vai realizar uma eleição suplementar para escolher um novo prefeito. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp Segundo as investigações do Ministério Público e da Polícia Civil, as ações de interferência foram ordenadas por Anastácio Paiva Pereira, o “Doze”, natural de Santa Quitéria e atualmente foragido no Rio de Janeiro. Ele é considerado um dos principais chefes do Comando Vermelho no Ceará. Sob ordens do “Doze”, a facção ameaçou apoiadores da oposição, ofereceu drogas em troca de votos durante a campanha e intimidou eleitores. O prefeito Braguinha comandava o município desde 2021 e foi reeleito em 2024, mas não chegou a iniciar o novo mandato, que iria de 2025 a 2028. Ele foi preso no dia 1º de janeiro de 2025, horas antes da posse, por suspeita de envolvimento com o grupo criminoso. Em maio, ele se tornou o 1º prefeito do Brasil cassado por acusação de envolvimento com facção. O filho de Braguinha, Joel Barroso (PSB), então presidente da Câmara Municipal, assumiu o cargo de forma interina após a prisão do pai. Agora, Joel tenta se eleger prefeito nas eleições deste domingo (26), disputando com a ex-deputada estadual Cândida Figueiredo (União) e Lígia Protásio (PT), que foi vice-prefeita de Braguinha no primeiro mandato. A votação ocorre sob um forte aparato de segurança, com presença desde a Polícia Federal até Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Chefe do Comando Vermelho no Ceará, Anastácio Pereira Paiva, o “Doze”, nasceu em Santa Quitéria e interferiu nas eleições da cidade Reprodução Ordens partiram do Rio de Janeiro 📍A mais de 200 km de Fortaleza, Santa Quitéria tem um território de mais de 4.200 km², 3,5 vezes maior que a cidade do Rio de Janeiro. A cidade não figura entre as mais violentas do Ceará - em 2024 foram 8 homicídios ao todo. O local possui as maiores reservas de urânio já descobertas no Brasil. Há planos de exploração das jazidas, sem data confirmada. Conforme documentos aos quais o g1 teve acesso, a interferência do Comando Vermelho nas eleições de 2024 não foi a primeira ação do tipo da facção no município: em 2020, os criminosos também tentaram influenciar o resultado por meio de ameaças e mensagens nas redes sociais. De acordo com as investigações, as ordens para interferir nas eleições de Santa Quitéria em 2020 e em 2024 partiram do traficante Anastácio Paiva Pereira, o “Doze”, nascido em Santa Quitéria e atualmente foragido no Rio de Janeiro. Santa Quitéria é o maior município do Ceará em território: são mais de 4.200 km² de extensão Aprece A primeira atuação do Comando Vermelho nas eleições de Santa Quitéria aconteceu em 2020. Naquele ano, Tomás Figueiredo (MDB) era prefeito e buscava a reeleição. Ele disputou o cargo contra seu vice-prefeito, com quem havia rompido ao longo do mandato, Braguinha (PSB). A poucos dias da votação, em uma abordagem de rotina, a Polícia acabou realizando a prisão de dois homens: um responsável por fazer pichações contra Tomás, e outro vindo de Fortaleza, a mando de Anastácio, para atacar adversários políticos. O plano incluía atentar contra o então prefeito e candidato à reeleição, Tomás Figueiredo (MDB), e metralhar a casa de um aliado dele. O ataque chegou a ocorrer, sem deixar feridos. A investigação do Ministério Público mostrou que o grupo criminoso também espalhou mensagens nas redes sociais e pichações em muros com ameaças a quem apoiasse Tomás. Comando Vermelho ameaçava quem apoiava o candidato Tomás Figueiredo, rival de Braguinha nas eleições 2024 de Santa Quitéria Reprodução Apesar da violência e das ameaças, não foram encontradas provas de que o candidato Braguinha tivesse envolvimento direto ou indireto com o grupo. O resultado do pleito de 2020, no qual Braguinha foi eleito prefeito pela primeira vez, foi mantido pela Justiça. Em 2024, Braguinha concorria à reeleição e enfrentava novamente Tomás Figueiredo nas urnas. Anastácio Pereira, o Doze, enviou ao Ceará dois homens de confiança para interferir nas eleições de 2024. Mensagens obtidas pela Polícia Civil mostram que o grupo criminoso mandou ameaçar eleitores, cabos eleitorais e aliados do candidato Tomás. Eles ordenaram quebrar carros e motos com adesivos de campanha e espalhar mensagens de intimidação nas redes sociais e nos muros. Muitas vezes, eles se referiam ao grupo político como “15”, referência ao número de Tomás nas urnas. Apoiadores de Tomás Figueiredo, candidato à Prefeitura de Santa Quitéria em 2024, eram ameaçados pelo Comando Vermelho; objetivo era que o candidato apoiado pela facção, Braguinha, fosse o vencedor da disputa Reprodução Algumas ameaças eram enviadas por mensagens de WhatsApp e por pichações, com frases como: “Se apoia o Tomás, vai entrar no problema”, “Fora Tomás. Bala no 15” “Quem apoiar o Tomás vai entrar no problema com C.V. e a tropa do Paulinho Maluco" [alcunha de Anastácio Pereira] “Quem apoiar o Tomás vai entrar na bala” As intimidações chegaram à sede Justiça Eleitoral do município, a 54ª Zona Eleitoral, que teve os funcionários ameaçados de morte. A Polícia Federal e a PM precisaram reforçar a segurança no local até o dia da votação. Além das ameaças, o Comando Vermelho teria oferecido drogas em troca de votos. Segundo o Ministério Público, a estratégia era conquistar “apoio dos viciados”, como descrevem as conversas entre os criminosos. Braguinha foi reeleito em 2024 com 51% dos votos e uma diferença de mais de 3 mil votos para Tomás Figueiredo. A esta altura, a investigação contra ele pelo envolvimento do Comando Vermelho já estava ocorrendo, e no dia 1º de janeiro, no dia da posse, Braguinha foi preso. Infográfico - disputa em Santa Quitéria Arte/g1 Apoio velado Apesar de o Comando Vermelho não mencionar Braguinha nas pichações, os investigadores afirmam que as ordens internas deixavam claro o apoio ao prefeito nas eleições de 2024. Em mensagens de WhatsApp, um dos chefes da facção enviados ao Ceará por Anastácio escreveu: “Temos Kylvia Lima e Gabriel Filho pra vereador e BG pra prefeito. Vamos apoiar os nossos”. Outro orientava: “Quando for pichar, não pode botar o nome do Braga, ok”. Não há, no processo, menção a qualquer encontro, acordo direto ou troca de mensagens entre Braguinha e Anastácio Pereira, o Doze, ou com outros membros do Comando Vermelho. Apesar disso, as investigações apontam que havia ligações entre integrantes da administração municipal e o grupo criminoso. Em dezembro de 2024, uma operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro descobriu uma casa de luxo atribuída a Anastácio Pereira, o Doze, com piscina e veículos de alto valor. Um deles era um Mitsubishi Eclipse Cross, avaliado em cerca de R$ 195 mil. O carro havia sido levado do Ceará ao Rio em julho, meses antes da eleição. Mitsubishi Eclipse Cross, avaliado em cerca de R$ 195 mil, foi enviado do CE para o RJ para ser entregue a traficante Reprodução Os motoristas que fizeram o transporte eram servidores da Prefeitura de Santa Quitéria: o coordenador do gabinete do prefeito e um assessor técnico do órgão de trânsito, que já havia sido motorista de Anastácio. Ambos foram nomeados por Braguinha. O prefeito alegou que não sabia da viagem nem da entrega do veículo, mas para o Ministério Público Eleitoral, o episódio reforça que o gestor “é aliado de pessoas envolvidas com a organização criminosa”. Por que Santa Quitéria? Não há uma resposta direta para os benefícios que a facção criminosa queria ao interferir nas eleições municipais de Santa Quitéria. Embora Santa Quitéria não possua portos ou outras grandes estruturas logísticas, o amplo território do município serve de apoio para ações nas cidades vizinhas, como Hidrolândia, Varjota, Canindé, Boa Viagem, Cariré e Sobral – a quarta maior do Ceará. Ao longo das investigações, a Polícia Civil destacou que o grupo "trava uma guerra sangrenta na região norte do Estado, em razão da busca por expansão de seu território de tráfico”. Em uma conversa em agosto de 2024, um dos criminosos afirma que “nossa família” (Comando Vermelho) precisava de um representante na Câmara Municipal, e indica uma candidata, Kylvia Lima, como representante deles. A mulher não foi eleita. Para o Ministério Público, “as organizações criminosas agem visando apenas alcançar seus interesses, quais sejam, obter mais lucro e mais poder, pois no crime organizado não há espaço para preferências gratuitas a autoridades políticas”. Eleição virou símbolo de combate a facções A eleição de Santa Quitéria será a única realizada no Brasil neste domingo, e com um aparato de segurança surpreendente para uma cidade de 41 mil habitantes - até a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vai estar na cidade. A campanha eleitoral suplementar, de 33 dias, transcorreu sem denúncias de ameaças por parte do Comando Vermelho. O tema, aliás, foi pouco abordado pelos três candidatos, conforme uma fonte da cidade relatou à reportagem. Apesar disso, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE) solicitou o apoio de tropas da União. Além da Abin, da Polícia Civil e da Polícia Militar, equipes do Exército, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal vão atuar para garantir a lisura do pleito. Ao g1, o juiz auxiliar da presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE), Alisson Simeão, apontou que o caso da cidade acabou se tornando um símbolo nacional do combate às facções - o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai para a cidade acompanhar a votação. "A eleição de Santa Quitéria acabou se tornando um símbolo, um símbolo do combate que a Justiça Eleitoral quer fazer desse novo problema que ela tem que enfrentar, porque durante décadas o problema da eleição era a compra de voto", afirmou o magistrado. “Uma coisa é você lidar com a compra de voto, outra coisa é você lidar com o Comando Vermelho, é diferente”, explica. “De repente, a gente está tendo que se preparar para uma situação completamente nova, uma situação que envolve ameaça, que envolve pânico, que envolve esses perfis falsos em rede social, pichações, financiamento do crime” O juiz destaca que parte da dificuldade de combater a atuação das facções está no modus operandi dos criminosos, que muitas vezes envolve mais o boato do que a ação concreta. "Alguém lança uma ideia, 'fecha o comércio', 'atenção em quem votar'... Aí fica aquela mensagem de WhatsApp circulando em grupos, amedrontando o eleitor", explica. Entenda o que são eleições suplementares Assista aos vídeos mais vistos do Ceará